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Meu filho não larga o celular nem para dormir, e agora?

[15/02/2022 | Elaine de Souza | ACI Famesp]

[banco de imagens pixabay]

Entre 2019 e 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria atualizou um manual com orientações chamado #MenosTelas #MaisSaude em que destaca uma realidade cada vez mais preocupante: o excesso de exposição a telas de telefones celulares, smartphones e notebooks.

“Crianças em idades cada vez mais precoces têm tido acesso a esses equipamentos, além dos computadores que são usados pelos pais, irmãos ou família, em casa, nas creches, em escolas e em outros lugares, como restaurantes, ônibus, carros, sempre com o objetivo de fazer com que a ‘criança fique quietinha’”. Segundo o documento, isso é denominado distração passiva, resultado da pressão pelo consumismo dos joguinhos e vídeos nas telas, e publicidade das indústrias de entretenimento, o que “é muito diferente do brincar ativamente, um direito universal e temporal de todas as crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento cerebral e mental”.

Especialistas admitem que a tecnologia pode, sim, ser uma aliada de pais e cuidadores com aplicativos educativos, jogos que estimulam o desenvolvimento neuromotor e simulam situações de vida de forma didática e criativa, ocupando o tempo dos pequenos e dando um fôlego aos adultos. Mas em excesso a exposição às telas tecnológicas pode causar danos irreversíveis às crianças, afetando sono, visão, postura física e habilidades motoras e até minimizando ou bloqueando o potencial criativo dos pequenos. E em casos extremos o uso dessas tecnologias pode ser considerado dependência digital. O que a Psicologia considera normal nesse contexto e quais as dicas de estratégias para lidar com o assunto?  

“Expostas muito cedo e por longos períodos às tecnologias, as crianças vem perdendo, gradativamente, seu potencial criativo”, alerta a psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva, da equipe de Psicologia do Hospital Estadual de Bauru. Questionada sobre o desafio de driblar o uso excessivo de celulares e telas pelas crianças, especialmente menores de 5 anos, Maria Luisa propõe uma análise: é preciso partir do próprio comportamento dos pais, que são sempre modelos para as crianças. Como os pais podem ajudar? Eles também estão precisando de um “detox de tecnologia”? Quais estratégias são recomendadas para encontrar um equilíbrio? Há um período ideal para a exposição diária das crianças aos celulares, por exemplo? Essas e outras questões são respondidas pela profissional. Acompanhe:                                                                                                       

ACI-Famesp: Nesse contexto de uso excessivo das tecnologias, como os pais podem ajudar?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: Diante de tantas possibilidades, reconheço como a mais necessária o estabelecimento de rotina, em que há acordos, regras e limites. Para o desenvolvimento infantil saudável, uma prática imprescindível é o estabelecimento de uma rotina minimamente consistente. É importante que a criança desenvolva sua autonomia e tenha um espaço livre para expressar os seus desejos, poder escolher qual brinquedo, qual brincadeira, qual roupa vestir, qual opção de alimento saudável comer no dia. Mas a criança não escolhe se toma banho, se brinca em momentos não propícios, se vai para a escola e, também, não escolhe se usa tecnologia ou não. Esse limite quem coloca são os pais ou cuidadores. Portanto, se para você é uma opção expor seu pequeno às tecnologias, sugiro que faça isso estabelecendo acordos de horários e dos conteúdos a serem consumidos.
[foto: Elaine de Souza | ACI-Famesp]

ACI-Famesp: Eles também estão precisando de um “detox de tecnologia”?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: É preciso compreender que nossa sociedade está vivendo uma transição, em que a tecnologia se faz cada vez mais presente nesta nova geração. Compreendendo isso, precisamos também observar e analisar nosso próprio comportamento diante do uso excessivo de tecnologias. Considerando que a principal forma que uma criança aprender é a partir do modelo e da imitação, os pais se tornam uma figura de exemplo muito significativa que traz reflexos na forma como a própria criança irá utilizar a tecnologia. Sendo assim, o "detox de tecnologia", antes de ser uma exigência para os pequenos, deve também ser um novo hábito para os adultos.


ACI-Famesp: Quais estratégias são recomendadas para encontrar um equilíbrio?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: Para o desenvolvimento saudável de uma criança, é necessário também um desenvolvimento saudável dos familiares. Desta forma, sugiro analisar suas possibilidades, de acordo com seu contexto, sua rotina, seus limites. Diante disso, observe como é possível para você estabelecer uma rotina o mais constante possível, em que o uso de celular (para crianças maiores de 2 anos) ocupe menor tempo possível diante de todas as outras atividades e vivências dos pequenos. Com rotina e limites consistentes se torna possível o estímulo e o envolvimento das crianças com outras atividades, das mais diversas, sobretudo, as que exijam da criança o uso de seu potencial criativo.


ACI-Famesp: Há um período ideal para a exposição diária das crianças aos celulares, por exemplo?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: Não é recomendada a exposição à tecnologia de crianças menores de dois anos. Exponencialmente, há mais prejuízos que benefícios quando uma criança logo nos dois primeiros anos de vida é exposta às telas. É recomendado que pouco tempo do dia dos pequenos seja destinado ao uso de tecnologia. O ideal é que não passe de duas horas no dia, ou mesmo não utilizar celular, televisão e demais aparelhos com excesso de estímulos visuais e sonoros.


ACI-Famesp: Como estimular os pequenos à prática de brincadeiras mais genuínas?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: A criança tem um potencial criativo inato. Se não for exposta de forma excessiva às tecnologias, terá toda a capacidade de criar, imaginar, fantasiar e desenvolver brincadeiras. É possível proporcionar um ambiente seguro para que possam brincar livremente. Porém, conforme já exposto, o adulto se configura como um modelo admirado e seguido pela criança. Sendo assim, passar um tempo de qualidade com os pequenos, estimulando atividades e brincadeiras de faz-de-conta, de movimentar o corpo e de estratégias é uma ótima opção para o desenvolvimento infantil saudável e para o fortalecimento do vínculo afetivo entre os pais e seus filhos.


ACI-Famesp: Como a Psicologia atua diante da dependência infantil digital? Aliás, quando o uso das tecnologias pode ser considerado um vício?
Psicóloga Maria Luisa Ramalho Ferreira da Silva: O uso de tecnologia pode ser considerado um vício quando feito diariamente, durante longos períodos do dia e de forma que possa interferir na prática de outras atividades de vida diária. Comer assistindo algo, jogar enquanto interage com amigos e familiares, correr o feed das redes sociais o dia todo. A psicologia pode auxiliar com a propagação de conhecimento, reflexões e orientações a respeito. Bem como é possível acionar profissionais da psicologia para um acompanhamento infantil e de educação parental, a fim de favorecer a redução desta dependência. Lembrando que o uso excessivo de tecnologia pode acarretar dificuldades como frustração, baixa tolerância, irritabilidade e pouca capacidade de resolução de problemas. Podendo favorecer consideravelmente o estado de ansiedade mesmo em adultos, imagine o impacto nos adultos em formação e nas crianças.

Manual oferece dicas práticas aos pais e cuidadores
- Criar tempo para ser pai, mãe, avô, avó, tio/ tia, madrinha/padrinho sem o uso das tecnologias.
- Planejar as refeições sem qualquer uso de equipamentos à mesa.
- Planejar atividades de finais de semana ou férias fora e longe do wi-fi ou de computadores e celulares ou limitar o tempo de uso para 1-2 horas/dia para todos.
- Praticar atividades ao ar livre e em contato com a Natureza para prevenção da saúde física e mental/comportamental de todos da família.
(Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria)

Dia internacional da Internet segura
E não é só a saúde dos pequenos que fica em risco com o uso excessivo da Internet. O bem-estar e a segurança pessoal também. O assunto é tão sério que existe até o Dia Internacional da Internet Segura, que nesse ano de 2022 foi celebrado dia 8 de fevereiro, com o tema Uma internet melhor começa com você. O objetivo da data é promover o uso seguro da Internet por todas as pessoas, inclusive as crianças, que estão bastante expostas a riscos nesta rede mundial de comunicação. Em 2020, foi justamente nesta data comemorativa que a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou uma versão atualizada do Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde visando à saúde e ao bem-estar de crianças e adolescentes em contato constante com tecnologias digitais. O documento foi criado pelo Grupo de Trabalho sobre Saúde na Era Digital da SBP em 2016 e atualizado em fevereiro de 2020. Confira, aqui, a íntegra do manual.

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